Este texto foi originalmente publicado em meu livro “Elite e Dominação
Política”. No qual discuto as manobras para excluir os afro-brasileiros do
processo político. Fiz algumas modificações para adptá-lo ao momento em que nos
encontramos e algumas correções sempre necessárias quando se revisita um texto
escrito há algum tempo.
O texto discute o papel da corrupção na reprodução do capital. Não resta
dúvida que no Brasil a corrupção está praticamente institucionalizada. Dela se
encontra resquício no primeiro documento em língua portuguesa escrito no
Brasil: a Carta de Pero Vaz de Caminha. Nos últimos meses ela ocupa, em
manchetes, todos os veículos de imprensa. Mas em todos eles e em todos os
comentários ela é destacada como um desvio moral. Neste texto, vamos abordá-la
como um instrumento econômico, relacionando-a com atributos produtivos dos
recursos humanos, discriminação e reprodução do capital.
Atributos produtivos são qualidades individuais adquiridas ao longo do
processo social, seja através da qualificação formal, seja através das
experiências vividas, que qualificam para o mercado de trabalho. Estes
atributos deveriam ser remunerados de acordo como o retorno que eles dariam ao
capital nele investido. Assim, contribuiriam mais com a produção da mais-valia
os indivíduos que tivessem acumulado mais atributos produtivos. E, portanto,
seriam melhores remunerados.
A mão-de-obra, enquanto recurso produtivo, é o principal elemento na
produção de bens e serviços. O capital se serve deste e outros recursos para se
reproduzir. A quantidade e qualidade destes recursos serão decisivas na
reprodução do capital. Assim, quanto mais recursos humanos de qualidade tiver
um país, mais desenvolvido este será e o capital se reproduzirá de maneira mais
eficaz. É unanime que a educação é suficiente para resolver esta questão.
Mas..., atenção algumas vezes a unanimidade é burra. A restrição à liberdade
cria obstáculos até para indivíduos bem educados.
No Brasil, a discriminação impede que os recursos humanos sejam
utilizados tendo como base sua capacidade produtiva, pois outros elementos
presentes no mercado influenciam a escolha destes recursos. Por exemplo, o mais
comum é sermos preteridos mesmo quando temos capacitação educacional acima de nossos
concorrentes não afro-brasileiros. Nestes casos, os recursos humanos são
escolhidos por afinidade étnica ou de gênero, isto é, opera-se a restrição da
liberdade dos afro-brasileiros. Para isto tem importante papel a “instituição
cultural” do mercado.
É neste ponto que entra a corrupção nas suas mais diversas formas. O
capital, na sua necessidade de reprodução, mas limitado na extração da
mais-valia, se apropria dos recursos públicos, da exploração brutal da
mão-de-obra e, acima de tudo, da economia informal, onde ele joga a maioria dos
trabalhadores discriminados. Desta forma, sua reprodução é sistematicamente
garantida. Respaldada nas “instituição política e jurídicas” daquele mesmo
mercado.
Neste caso, acabar com a corrupção seria o mesmo que acabar com a
possibilidade de reprodução do capital. A solução estaria no combate à
discriminação aos afro-brasileiros. A elite cultural, que se beneficia desta
forma de reprodução do capital, prefere este sistema, mesmo que isto diminua
seus ganhos em comparação com outros modos de produção capitalista ocidental.
A contratação da mão-de-obra, na maioria das vezes, não leva em
consideração sua qualidade, pois o que conta são as afinidades subjetivas,
principalmente aquelas vinculadas a identidades étnicas e de gênero.
Contrata-se pela cor da pele, pela textura do cabelo, pela cor dos olhos, isto
é, pelas marcas de pertencimento étnico. Esta lógica limita de forma
determinante a igualdade de oportunidade, assim como a origem, pois a
discriminação vai além do fenótipo. O retorno que esta mão-de-obra pode dar ao
capital está em último plano.
Assim, como a escolha dos recursos humanos é feita por afinidade étnica,
isto é discriminando os afro-brasileiros, aqueles que têm preferência no
mercado de trabalho não se motivam para a competição, pois sabem que seu lugar
está garantido. Por isso, a mão-de-obra contratada é, no mais das vezes, pouco
qualificada. Esta falta de qualificação prejudica a produtividade e a qualidade
dos serviços e produtos oferecidos.
Não é a toa que a competitividade industrial brasileira é uma das mais
baixas do mundo. Dos três fatores importantes da competitividade industrial, a
saber: capital humano, inovação e capacidade empresarial, que são estritamente
ligados, o primeiro é visto apenas como um “problema de educação”. Insistem
na necessidade de melhorar a qualidade da educação, entretanto esquecem da
família, do país e, principalmente, da cultura, elementos centrais no combate
ao principal obstáculo ao crescimento da competitividade brasileira: a livre ação
dos agentes, ou melhor, a discriminação contra os afro-brasileiro.
Com efeito, a inovação tecnológica pode ser camuflada via importação de
tecnologia; é o caso, por exemplo, das zonas francas, dos polos tecnológicos
etc. Da mesma forma, a capacidade empresarial pode ser “criada” pela entrega do
capital nacional aos empreendedores estrangeiros; foi o caso das privatizações
da era FHC, das “atrações” de empresas a custa de muitos benefícios fiscais,
pelos estados e municípios. Entretanto, o capital humano já não pode ser
importado, como na época do embranquecimento, no início do século XX.
Portanto,
é a discriminação contra os afro-brasileiros que deve ser combatida se
quisermos colocar a corrupção apenas como uma questão moral. Através de
“políticas públicas universais focadas” é possível uma necessária e ampla
inclusão dos afro-brasileiros no mercado, não apenas do trabalho, mas acima de
tudo no mercado de capitais.
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