sábado, 17 de janeiro de 2015

Corrupção e Discriminação contra os Afro-brasileiros

Este texto foi originalmente publicado em meu livro “Elite e Dominação Política”. No qual discuto as manobras para excluir os afro-brasileiros do processo político. Fiz algumas modificações para adptá-lo ao momento em que nos encontramos e algumas correções sempre necessárias quando se revisita um texto escrito há algum tempo.

O texto discute o papel da corrupção na reprodução do capital. Não resta dúvida que no Brasil a corrupção está praticamente institucionalizada. Dela se encontra resquício no primeiro documento em língua portuguesa escrito no Brasil: a Carta de Pero Vaz de Caminha. Nos últimos meses ela ocupa, em manchetes, todos os veículos de imprensa. Mas em todos eles e em todos os comentários ela é destacada como um desvio moral. Neste texto, vamos abordá-la como um instrumento econômico, relacionando-a com atributos produtivos dos recursos humanos, discriminação e reprodução do capital.

Atributos produtivos são qualidades individuais adquiridas ao longo do processo social, seja através da qualificação formal, seja através das experiências vividas, que qualificam para o mercado de trabalho. Estes atributos deveriam ser remunerados de acordo como o retorno que eles dariam ao capital nele investido. Assim, contribuiriam mais com a produção da mais-valia os indivíduos que tivessem acumulado mais atributos produtivos. E, portanto, seriam melhores remunerados.

A mão-de-obra, enquanto recurso produtivo, é o principal elemento na produção de bens e serviços. O capital se serve deste e outros recursos para se reproduzir. A quantidade e qualidade destes recursos serão decisivas na reprodução do capital. Assim, quanto mais recursos humanos de qualidade tiver um país, mais desenvolvido este será e o capital se reproduzirá de maneira mais eficaz. É unanime que a educação é suficiente para resolver esta questão. Mas..., atenção algumas vezes a unanimidade é burra. A restrição à liberdade cria obstáculos até para indivíduos bem educados.

No Brasil, a discriminação impede que os recursos humanos sejam utilizados tendo como base sua capacidade produtiva, pois outros elementos presentes no mercado influenciam a escolha destes recursos. Por exemplo, o mais comum é sermos preteridos mesmo quando temos capacitação educacional acima de nossos concorrentes não afro-brasileiros. Nestes casos, os recursos humanos são escolhidos por afinidade étnica ou de gênero, isto é, opera-se a restrição da liberdade dos afro-brasileiros. Para isto tem importante papel a “instituição cultural” do mercado.

É neste ponto que entra a corrupção nas suas mais diversas formas. O capital, na sua necessidade de reprodução, mas limitado na extração da mais-valia, se apropria dos recursos públicos, da exploração brutal da mão-de-obra e, acima de tudo, da economia informal, onde ele joga a maioria dos trabalhadores discriminados. Desta forma, sua reprodução é sistematicamente garantida. Respaldada nas “instituição política e jurídicas” daquele mesmo mercado.

Neste caso, acabar com a corrupção seria o mesmo que acabar com a possibilidade de reprodução do capital. A solução estaria no combate  à discriminação aos afro-brasileiros. A elite cultural, que se beneficia desta forma de reprodução do capital, prefere este sistema, mesmo que isto diminua seus ganhos em comparação com outros modos de produção capitalista ocidental.

A contratação da mão-de-obra, na maioria das vezes, não leva em consideração sua qualidade, pois o que conta são as afinidades subjetivas, principalmente aquelas vinculadas a identidades étnicas e de gênero. Contrata-se pela cor da pele, pela textura do cabelo, pela cor dos olhos, isto é, pelas marcas de pertencimento étnico. Esta lógica limita de forma determinante a igualdade de oportunidade, assim como a origem, pois a discriminação vai além do fenótipo. O retorno que esta mão-de-obra pode dar ao capital está em último plano.

Assim, como a escolha dos recursos humanos é feita por afinidade étnica, isto é discriminando os afro-brasileiros, aqueles que têm preferência no mercado de trabalho não se motivam para a competição, pois sabem que seu lugar está garantido. Por isso, a mão-de-obra contratada é, no mais das vezes, pouco qualificada. Esta falta de qualificação prejudica a produtividade e a qualidade dos serviços e produtos oferecidos.

Não é a toa que a competitividade industrial brasileira é uma das mais baixas do mundo. Dos três fatores importantes da competitividade industrial, a saber: capital humano, inovação e capacidade empresarial, que são estritamente ligados, o primeiro é visto apenas como um “problema de educação”.  Insistem na necessidade de melhorar a qualidade da educação, entretanto esquecem da família, do país e, principalmente, da cultura, elementos centrais no combate ao principal obstáculo ao crescimento da competitividade brasileira: a livre ação dos agentes, ou melhor, a discriminação contra os afro-brasileiro.

Com efeito, a inovação tecnológica pode ser camuflada via importação de tecnologia; é o caso, por exemplo, das zonas francas, dos polos tecnológicos etc. Da mesma forma, a capacidade empresarial pode ser “criada” pela entrega do capital nacional aos empreendedores estrangeiros; foi o caso das privatizações da era FHC, das “atrações” de empresas a custa de muitos benefícios fiscais, pelos estados e municípios. Entretanto, o capital humano já não pode ser importado, como na época do embranquecimento, no início do século XX.


Portanto, é a discriminação contra os afro-brasileiros que deve ser combatida se quisermos colocar a corrupção apenas como uma questão moral. Através de “políticas públicas universais focadas” é possível uma necessária e ampla inclusão dos afro-brasileiros no mercado, não apenas do trabalho, mas acima de tudo no mercado de capitais.

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