É preciso entender o cerco político e econômico aos produtores e operadores de cultura de matriz africana. Este cerco é operado pelas lideranças do “indentitarismo de classe”, estejam na esfera reformista ou na esfera conservadora da elite cultural.
São raros a ocupar espaços no poder e quando ocupam são em pastas sem poder e de recursos escassos. Ficam na segunda etapa quando se trata de distribuição de recursos. Sambistas, capoeiristas, blocos afros e afoxés, dentre muito são tratados como se fossem parias em nosso país e, principalmente na Bahia. Esta compreensão só será possível se aceitarmos a centralidade da cultura na determinacao das contradições de todas as sociedades.
A “Cultura é uma das instituições que modelam o mercado”. Mercado não é apenas, como imagina uma das facções dos herdeiros do Iluminismo, o espaço de relações de troca. Mercados são as arenas constitutivas da sociedade. Outras instituições como as políticas, as econômicas e as sociais também modelam o mercado, mas em nosso caso, em escala menor. São os valores, as tradições que criam o sentimento de pertencimento a um coletivo, isto é criam a cidadania e seu produto o cidadão. Sem a construção da cidadania não existe possiblidade de acabar com esta exclusão. Portanto, a cultura é o centro.
Dois brilhantes intelectuais, não por acaso, baianos, colocam de forma magistral a questão da cidadania. Caetano Veloso, no Pelourinho observa a violência dos agentes de repressão do Estado, e declara, em “Haiti”: “ninguém é cidadão”. Milton Santos argumenta a inexistência da cidadania, negando a metade desta, construindo assim uma cidadania incompleta. Portanto, é a cidadania o foco principal da centralidade da cultura.
Ainda, mais dois intelectuais negros, Manuel Querino e Stuart Hall vão nos dar os passos a seguir. Querino foi um magistral pesquisador da cultura afro-brasileira. Este baiano de Santo Amaro teve uma marcante história política, tanto a frente dos sindicatos, como no parlamento de Salvador. Querino entendeu a centralidade da cultura, na militância sindical, artística e política/eleitoral. Em consequência, mergulhou na profundidade da cultura africana e afro-brasileira.
Stuart Hall percebeu esta mesma centralidade na militância junto aos imigrantes na Inglaterra e na sua condição de inglês de segunda categoria. Em seguida, construiu um saber teórico, introduzindo esta centralidade nas academias. Hall, nascido em Kingston, foi um intelectual completo. Militança, academia e produção intelectual. Fez uma insurgente carreira intelectual na Inglaterra. Ao final desta carreira, se aprofundou nas artes.
Os bilhões de reais que serão gerados no carnaval dizem bem da necessidade de darmos atenção ao que afirmam estes intelectuais. Eles nos dão as respostas de quem e porque são os mesmos que se apropriam da maior e melhor parte destes recursos. A reprodução cultural é o foco da distribuição destes recursos. A maioria dos artistas e operadores ficam com as migalhas e com a humilhação.
Na situação quase extrema, encontramos os “cordeiros”. Por alguns trocados e uma alimentação sem qualidade, eles garantem a tranquilidade dos foliões. Da denominação – cordeiros – à forma de humilhação, perdem apenas para os catadores dos restos dos foliões (latinhas, garrafas etc.). Esta lógica faz reproduzir a miséria da maioria dos operadores. Estes estão sem a possibilidade fazer valer seus direitos. Estamos sem representantes.