sábado, 1 de março de 2025

Cultura, Poder e Transformação: uma breve introdução


 

É preciso entender o cerco político e econômico aos produtores e operadores de cultura de matriz africana. Este cerco é operado pelas lideranças do “indentitarismo de classe”, estejam na esfera reformista ou na esfera conservadora da elite cultural.

São raros a ocupar espaços no poder e quando ocupam são em pastas sem poder e de recursos escassos. Ficam na segunda etapa quando se trata de distribuição de recursos. Sambistas, capoeiristas, blocos afros e afoxés, dentre muito são tratados como se fossem parias em nosso país e, principalmente na Bahia. Esta compreensão só será possível se aceitarmos a centralidade da cultura na determinacao das contradições de todas as sociedades.

A “Cultura é uma das instituições que modelam o mercado”. Mercado não é apenas, como imagina uma das facções dos herdeiros do Iluminismo, o espaço de relações de troca. Mercados são as arenas constitutivas da sociedade. Outras instituições como as políticas, as econômicas e as sociais também modelam o mercado, mas em nosso caso, em escala menor. São os valores, as tradições que criam o sentimento de pertencimento a um coletivo, isto é criam a cidadania e seu produto o cidadão. Sem a construção da cidadania não existe possiblidade de acabar com esta exclusão. Portanto, a cultura é o centro.

Dois brilhantes intelectuais, não por acaso, baianos, colocam de forma magistral a questão da cidadania. Caetano Veloso, no Pelourinho observa a violência dos agentes de repressão do Estado, e declara, em “Haiti”: “ninguém é cidadão”. Milton Santos argumenta a inexistência da cidadania, negando a metade desta, construindo assim uma cidadania incompleta. Portanto, é a cidadania o foco principal da centralidade da cultura. 

Ainda, mais dois intelectuais negros, Manuel Querino e Stuart Hall vão nos dar os passos a seguir. Querino foi um magistral pesquisador da cultura afro-brasileira. Este baiano de Santo Amaro teve uma marcante história política, tanto a frente dos sindicatos, como no parlamento de Salvador. Querino entendeu a centralidade da cultura, na militância sindical, artística e política/eleitoral. Em consequência, mergulhou na profundidade da cultura africana e afro-brasileira. 

Stuart Hall percebeu esta mesma centralidade na militância junto aos imigrantes na Inglaterra e na sua condição de inglês de segunda categoria. Em seguida, construiu um saber teórico, introduzindo esta centralidade nas academias. Hall, nascido em Kingston, foi um intelectual completo. Militança, academia e produção intelectual. Fez uma insurgente carreira intelectual na Inglaterra. Ao final desta carreira, se aprofundou nas artes. 

Os bilhões de reais que serão gerados no carnaval dizem bem da necessidade de darmos atenção ao que afirmam estes intelectuais. Eles nos dão as respostas de quem e porque são os mesmos que se apropriam da maior e melhor parte destes recursos. A reprodução cultural é o foco da distribuição destes recursos. A maioria dos artistas e operadores ficam com as migalhas e com a humilhação. 

Na situação quase extrema, encontramos os “cordeiros”. Por alguns trocados e uma alimentação sem qualidade, eles garantem a tranquilidade dos foliões. Da denominação – cordeiros – à forma de humilhação, perdem apenas para os catadores dos restos dos foliões (latinhas, garrafas etc.). Esta lógica faz reproduzir a miséria da maioria dos operadores. Estes estão sem a possibilidade fazer valer seus direitos.  Estamos sem representantes.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Cultura da paralisia

 

O associativismo é uma atividade nobre nas sociedades modernas. É um ato de voluntarismo cidadã, implicando no compromisso do indivíduo com causas que lhes são caras. Em um país como o brasil, onde a ausência de cidadania é notória, o associativismo é sempre dificultado e, algumas vezes, punido.

Em alguns países o associativismo é incentivado e muitas vezes premiado. Na França, por exemplo, existe a Lei 1901, comemorada em 2001 cem anos até com menção presidencial. Evidentemente, são países nos quais a cidadania é a razão do Estado. Em casos como o do Brasil, onde, como diz o poeta “ninguém é cidadão”, esta atividade é comparada a uma atividade empresarial, devendo ser registra em cartório.

Esta condição cria responsabilidades cartoriais, fiscais, tributárias que recaem sobre os responsáveis, aqueles que constam nos registros cartoriais como responsáveis, principalmente seu dirigente máximo. Por isto, cabe a este último as decisões que podem fazer avançar os objetivos da associação. 

Os objetivos de uma associação contrariam interesses de muitos outras atores e organizações. Dentre muitas associações contrariadas destacamos os Estados autoritários e aqueles hegemonizado pela cultura de ódio ao “Outro”. Para o Estado as dificuldades são colocadas pelos seus agentes públicos, em nosso caso os cartórios e suas exigências absurdas. Vimos no passado, como o Estado agia com violência para impedir o funcionamento das religiões de matriz africana.

Para outros agentes, as dificuldades de funcionamento são colocadas através de expedientes diversos. Por exemplo, uma pratica bastante comum é a desqualificação dos “adversários” internos. A tentativa de marginalização destes adversários, atribuindo-lhes interesses ideológicos ilegítimos. 

Os interesses ideológicos legítimos de atores são muitas vezes camuflados em atitudes condenáveis e quase sempre inconfessáveis. Por exemplo, o caso de organizações do Movimento Negro, onde militantes de organizações marxistas-stalinistas atuavam desfigurando-as. Estas pessoas são contra determinadas ações em razão de seus interesses conflitarem com os interesses destas atividades por isso fazem tudo que podem fazer para evitar a ação destas organizações.

As organizações negras tradicionais, principalmente as religiosas e as culturais trazem um modelo centralizado na autoridade da liderança. Aquelas que tentam copiar o modelo judaico/cristão sofrem com mais frequência as consequências danosas dos interesses conflitantes inconfessáveis. Faz-se urgente um profundo debate da intelectualidade negra a respeito deste paradoxo. 

Portanto, é fundamental que nós intelectuais negros enfrentemos o desafio dos Estados como acima caracterizados e, acima de tudo, explicitando as contradições ideológicas dentro nossas organizações. Em resumo, sem vencermos estes dois obstáculos nossas organizações ficaram eternamente paralisadas.

sábado, 25 de janeiro de 2025

A Desconstrução do “Outro”

 

Quem te viu que te vê!

“Quem te viu, que te vê”! Disse-me a colega ao me vê dirigindo uma reunião de intelectuais negros militantes na UFBA. Ele me viu dirigindo o Movimento Negro Unificado de Salvador no início dos anos noventa.

 

Quem te viu!

Em que mudei na visão da colega? Não sei!

O que mudou para tal questão? Vejamos a seguir:

Quem me viu era quem pagava as contas do MNU de 1989 a 1995, enquanto Coordenador Municipal;

Quem me viu era quem possibilitava a participação dos militantes de Salvador nos Congressos nacionais do MNU;

Quem me viu era quem participava da “Coordenação das candidaturas do MNU”;

Quem me viu era quem preparava tinta das 14 às 18, depois de sair da Receita Federal;

Quem me viu era quem participava das reuniões das 19 há as meias noites depois, claro, de pagar o jantar dos militantes das 18 às 19;

Quem me viu era quem pichava muro das 1h às 4hs;

Quem me viu foi quem me via limpar o carro de tinta das 4 às 05 há. para que pudesse chegar as oito na Receita Federal.

 

“Quem te vê!” 

Quem me vê?

Quem me vê é que participa da fundação da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros – ABPN em Recife;

Quem me vê é que participa da fundação da Associação Pesquisadores Negros – APNB

Quem me vê é quem participa da diretoria da APNB desde a sua fundação;

Quem me vê é quem acompanha meus processos acadêmicos discutindo e propondo soluções contra o racismo.

 

A construção do “Outro”

As pessoas não olham para você e sim para a imagem que fazem de você. Foi o caso desta colega, que me via através de narrativa de militantes que tentam desconstruir o “Outro” e reconstruí-lo como inimigo.