A expressão título - Capitalismo excludente - não faria
sentido se fosse para explicar a natureza do sistema hegemônico na economia
mundo. Mas esta não é nossa intenção. Pretendemos tão somente demonstrar a
forma de geração de riqueza hegemônica entre nós, que muitos insistem em chamar
de capitalismo, mas que para nós é melhor
caracterizado por este titulo paradoxal. Este paradoxo explica-se pelo
fato de o capitalismo em sua lógica buscar a inclusão, salvo as exceções que
são amparadas pelo estado do bem estar social. O nosso sistema, portanto,
constrói o processo de exclusão.
Vamos
demonstrar esta aberração, procurando explorar as relações culturais
dentro do mercado. A passagem a seguir na música dos Racionais Mc´s, ´´Estou
ouvindo alguém me chamar``, dá bem
a conta de onde pretendemos chegar:
Ele tinha um certo dom pra comandar.
Tipo, linha de frente em qualquer lugar.
Tipo, condição de ocupar um cargo bom e tal.
Talvez em uma multinacional.
É foda, pensando bem que desperdício.
Aqui na área acontece muito
disso.
Inteligência e personalidade,
mofando atrás da porra de uma grade.
Jerry
Z. MULLER tem uma observação a respeito do sucesso dos judeus no capitalismo que
se adapta muito bem para a realidade dos Afro-brasileiros, qual seja: ´´sempre que pudemos competir em pé de
igualdade com os demais seguimentos sociais, fomos bem sucedidos``. Não é a
toa que a esmagadora maioria dos negros de alta classe média é de funcionários
de instituições públicas de prestigio (SRFB, MP, IES, dentre poucas), onde a
regra de acesso dispensa julgamento subjetivo, vale apenas o concurso público. Neste
processo apenas o mérito é levado em consideração.
No capitalismo de fato é possível
verificar e punir severamente aqueles que trabalham contra o sistema. Neste
capitalismo, a instituição economia tem papel preponderante, é ela que
determina as relações entre os agentes. Um exemplo típico foi a punição ao
Coutrywide, divisão do “Bank of America”, que discriminou mais de 200
mil negros e hispânicos, exigindo taxas mais elevadas para obtenção de crédito,
e foi multada em mais de 300 milhões de dólares. Neste capitalismo é o estado
que regula a relação entre os agentes, por isso, ação do Departamento de
Justiça foi exemplar.
No capitalismo excludente, quem
determina a relação entre os agentes é a “instituição cultural”, através
da violência física, política e institucional com base no racismo, no
machismo etc. Por isso, um afro-brasileiro
foi assassinado na porta de uma agencia bancária de uma instituição privada e
nada aconteceu, o assassino sai
protegido por policiais. No capitalismo excludente o mercado tem a instituição
cultural extremamente hipertrofiada. Isto é, a cultura determina as relações de
trocas, sejam materiais ou simbólicas. Por isso, o mercado será nosso objeto
especial de atenção.
Não é possível discutir capitalismo
sem definirmos o elemento fundamental deste sistema que é o mercado. Mercado deve
ser entendido como “uma estrutura modelada por várias
instituições (políticas, econômicas, sociais e mesmo culturais)” - Étienne Balibar. Estas estruturas determinarão o comportamento dos
agentes. Assim, cada sociedade terá uma estrutura de mercado de acordo com o
tipo de dominação cultural nela existente.
Os próceres das elites culturais,
embora não definam mercado, proclamam sua soberania. Alguns, da corrente
progressista, definem mercado como a “rede de relações de troca que se
estabelece em função de um modo determinado de produção...”. Não se pode
reduzir as relações no mercado apenas ao modo de produção nele hegemônico.
Outros menos progressistas têm uma visão de mercado ajustadas às realidades do
processo econômico. Chegam ao ponto de associar a ideia de mercado à liberdade
sem mencionar, contudo, quem será o agente que garantirá a liberdade.
Neste mercado dá-se a combinação dos
fatores de produção: Terra, Capital e Trabalho. Os dois últimos fatores serão
objeto de nossos comentários. De fato, capital e trabalho são fundamentais para
a lógica do desenvolvimento e do crescimento. É da combinação ideal destes
fatores que poderemos encontrar resposta para o nosso atraso. Em nossa economia
o capital não se relaciona com o trabalho.
As instituições econômicas, agentes
vitais do eixo econômico, estão baseadas na apropriação do produto coletivo
através do Estado, da corrupção, na sonegação
de impostos, dentre outras
formas. Vamos explorar com mais detalhes alguns dos aspectos inerentes à
reprodução do capital dentro desta esfera. Este eixo não é puro, pois alguns
setores e segmentos com relações fortemente imbricadas com os países centrais
do capitalismo guardam algumas características da produção capitalista nestes
países.
Nesta instituições, a reprodução do
capital obedece à lógica da diferença. Isto é, aqueles que se aproxima do modelo –
Poliakov – são melhores recompensados, enquanto os outros, à medida que se
afastam, têm recompensas inferiores. Por isso, a discriminação atinge quase
todos os agentes da relação de produção, uma vez que o modelo perfeito
não pode ser encontrado, nas sociedades colonizadas. Mas ele está presente no
imaginário de todos.
Aqui, o lucro não é fator de
eficiência dos recursos de produção, pois o fator de produção, mão-de-obra, não
é escolhido de acordo com sua capacidade de dar retorno ao capital investido,
nem por seus “atributos produtivos”, mas sim de acordo com a semelhança que ela
guarda com o modelo. Não sendo o lucro decorrência da
eficiência dos fatores de produção, fica a questão de como o capital se
reproduz, uma vez que esta é a única forma de sobrevivência dos agentes
econômicos no “sistema capitalista”.
É esta questão que responderemos, com
base na relação que as elites culturais têm com o Estado. É se apropriando dos
recursos gerados pela sociedade, através de mecanismos estatais, que estes grupos
são capazes de acumular riquezas. Assim, através das concorrências,
fraudulentas ou não, através das concessões de serviços públicos, através dos
socorros a empresas falidas é que esses grupos transferem riquezas coletivas
para entes privados.
Esta transferência é suficiente para
garantir as medíocres produção e reprodução de riquezas – PIB -, mas ela tem de
ser complementado com o outro papel do estado capitalista excludente, qual seja
impedir a produção de riquezas pela sociedade passiva de Milton SANTOS. Os principais
instrumentos são: o uso de uma legislação detalhista e complexa; de empecilhos
ao direito de associação; da força policial para restringir o direito à
produção de riqueza, em resumo de restrições à liberdade. Por exemplo, a
repressão aos empreendedores autônomos, chamados pejorativamente de
trabalhadores informais, é o principal exemplo desta violação.
Em fim, a inteligência e
personalidade de “Guina” – protagonista na música do Mc’s – só estará à disposição
do país quando a luta contra a discriminação dos Afro-brasileiros for prioritária
neste capitalismo excludente.