sábado, 20 de junho de 2020

Vidas Negras importam: para quem?




Vou colocar a seguinte questão: vidas negras importam para quem? Adianto quatro hipóteses, embora acredite que outras existam, a depender do perfil ideológico de quem responde: para o mercado, para o governo, para a família e para a comunidade. Vou apresentar alguns argumentos, mostrando a importância que estes agentes atribuem às vidas negras, se estas importam ou não, veremos.  Em seguida, faremos algumas considerações finais.
Vamos lá.


Para o mercado


Para o mercado sabemos que “Vidas Negras Não Importam”, pois o racismo é notório em todas as suas instituições. Racismo na Cultura, Racismo na Economia, Racismo na Política, Racismo na Segurança, entre outras. “Esta estrutura é a arena” onde vivemos, é nela que temos que atuar e lutar para transformá-la. Sem a livre circulação do negro enquanto agente econômico neste mercado não haverá crescimento e muito menos desenvolvimento sustentável. Nós, Negros compomos a maioria de empresários neste país, estamos na “nação passiva”, mas não temos crédito, pois os banqueiros são brancos e, por isso, não confiam nos empresários negros, logo não emprestam seus capitais. Nós vimos no discurso do atual Ministro da Fazenda na reunião ministerial: “vamos ganhar dinheiro emprestando aos grandes (brancos) e perder dinheiro emprestando aos pequenos” (negros). Não podemos nunca esquecer que nosso ministro da é banqueiro.


Para o governo

            Para o governo é evidente que “Vidas Negras Não Importam”, pois a esta instituição caberia tomar as medidas necessárias para garantir o “direito de ir e vir” dos negros, uma vez que a restrição à liberdade está na essência do racismo. Por exemplo, no caso da Cultura, a Lei 10.639/2003 não foi implantada, nem mesmo em estados e municípios governados pelas elites culturais reformistas, que é o caso da Bahia e da Prefeitura de Salvador, onde vivemos; no caso da Economia, nenhuma medida para garantir a igualdade de oportunidades na busca de trabalho; no caso da política, todos os partidos burlam as leis de cotas para mulheres, sem qualquer ação do governo; no caso da segurança: são quase mil mortes de Afrobrasileiros por dia. A maioria destes crimes não são apurados. Quem mata é a sociedade, hegemonizada por um discurso racista de ódio ao “outro”. Na certeza da impunibilidade, na medida que atende aos interesses ideológicos de seus líderes, esta continua executando seus cálculos racionais de genocídio. É isto que entendo por racismo.
           

Família e a Comunidade

            Estas duas instituições devem ser aproximadas. Pois para elas as “Vidas Negras Importam”. Mas o que tem feito as famílias, senão chorar seus mortos. Elas estão sós, chorando e clamando por Justiça. E o que tem feito a Comunidade, senão contar nossos mortos. Estamos sós! “Por nossa própria conta”. Por isso, é fundamental efetivar um elo constante entre as famílias e as comunidades.
Mas são as duas instituições nas quais devemos empregar nossos esforços para mudar esta realidade. Precisamos ter fortes organizações para construírem estruturas de ação e reação. Organizações de advogados, para agir em cada assassinato, assessorando às famílias e exigindo investigação. Organizações sociais para dar apoio moral, psicológico e financeiro às famílias. Organizações de policiais negros, para discutir internamente nos aparatos de repressão que “Vidas Negras Importam”. Organizações de intelectuais negros, para fazer uma leitura da sociedade a partir de uma análise de nossa realidade social, sem nos referenciarmos pelos modismos importados ou pelos intelectuais decadentes da elite cultural reformista, organizações estas que sejam capazes de construir “um novo regime de verdades”.  Organizações políticas, para disputar o poder “do ponto de vista racial” do povo Negro. Propor atividades políticas como manifestações dentro de nosso ponto de vista. Vejam as últimas, foram corretas, mas inoportunas. Corretas porque denunciam o genocídio. Inoportuna em razão da pandemia, da amalgama com outras bandeiras de luta e da possibilidade de uso para acúmulo político, especialmente político/eleitoral.
E, acima de tudo, organizações religiosas negras, para garantir a livre manifestação de nossa espiritualidade e a ligação com nossas ancestralidades. Hoje violentamente atacadas porque são responsáveis pela transmissão de “nossos saberes ancestrais, especialmente os de natureza religiosas”, mas também medicinais, sociais e culturais que “foram e são valorosos e parte fundamental do patrimônio cultural e político do nosso povo”.
Portanto, para concluir, para que façamos que nossas vidas importem devemos lutar por uma sociedade justa e solidária. Principalmente neste momento de crise decorrente principalmente da incapacidade das elites culturais de conviverem com a diversidade.

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