Vou
colocar a seguinte questão: vidas negras importam para quem? Adianto quatro hipóteses,
embora acredite que outras existam, a depender do perfil ideológico de quem
responde: para o mercado, para o governo, para a família e para a comunidade.
Vou apresentar alguns argumentos, mostrando a importância que estes agentes
atribuem às vidas negras, se estas importam ou não, veremos. Em seguida, faremos algumas considerações
finais.
Vamos lá.
Para o mercado
Para
o mercado sabemos que “Vidas Negras Não Importam”, pois o racismo é notório em
todas as suas instituições. Racismo na Cultura, Racismo na Economia, Racismo na
Política, Racismo na Segurança, entre outras. “Esta estrutura é a arena” onde
vivemos, é nela que temos que atuar e lutar para transformá-la. Sem a livre
circulação do negro enquanto agente econômico neste mercado não haverá crescimento
e muito menos desenvolvimento sustentável. Nós, Negros compomos a maioria de
empresários neste país, estamos na “nação passiva”, mas não temos crédito,
pois os banqueiros são brancos e, por isso, não confiam nos empresários negros,
logo não emprestam seus capitais. Nós vimos no discurso do atual Ministro da
Fazenda na reunião ministerial: “vamos ganhar dinheiro emprestando aos
grandes (brancos) e perder dinheiro emprestando aos pequenos” (negros). Não
podemos nunca esquecer que nosso ministro da é banqueiro.
Para o governo
Para o governo é evidente que “Vidas
Negras Não Importam”, pois a esta instituição caberia tomar as medidas
necessárias para garantir o “direito de ir e vir” dos negros, uma vez que a
restrição à liberdade está na essência do racismo. Por exemplo, no caso da
Cultura, a Lei 10.639/2003 não foi implantada, nem mesmo em estados e
municípios governados pelas elites culturais reformistas, que é o caso da Bahia
e da Prefeitura de Salvador, onde vivemos; no caso da Economia, nenhuma medida
para garantir a igualdade de oportunidades na busca de trabalho; no caso da
política, todos os partidos burlam as leis de cotas para mulheres, sem qualquer
ação do governo; no caso da segurança: são quase mil mortes de Afrobrasileiros por
dia. A maioria destes crimes não são apurados. Quem mata é a sociedade,
hegemonizada por um discurso racista de ódio ao “outro”. Na certeza da
impunibilidade, na medida que atende aos interesses ideológicos de seus líderes,
esta continua executando seus cálculos racionais de genocídio. É isto que
entendo por racismo.
Família e a Comunidade
Estas duas instituições devem ser
aproximadas. Pois para elas as “Vidas Negras Importam”. Mas o que tem feito as
famílias, senão chorar seus mortos. Elas estão sós, chorando e clamando por
Justiça. E o que tem feito a Comunidade, senão contar nossos mortos. Estamos
sós! “Por nossa própria conta”. Por isso, é fundamental efetivar um elo
constante entre as famílias e as comunidades.
Mas
são as duas instituições nas quais devemos empregar nossos esforços para mudar
esta realidade. Precisamos ter fortes organizações para construírem estruturas
de ação e reação. Organizações de advogados, para agir em cada assassinato, assessorando
às famílias e exigindo investigação. Organizações sociais para dar apoio moral,
psicológico e financeiro às famílias. Organizações de policiais negros, para
discutir internamente nos aparatos de repressão que “Vidas Negras Importam”. Organizações
de intelectuais negros, para fazer uma leitura da sociedade a partir de uma análise
de nossa realidade social, sem nos referenciarmos pelos modismos importados ou
pelos intelectuais decadentes da elite cultural reformista, organizações estas
que sejam capazes de construir “um novo regime de verdades”. Organizações políticas, para disputar o poder “do
ponto de vista racial” do povo Negro. Propor atividades políticas como
manifestações dentro de nosso ponto de vista. Vejam as últimas,
foram corretas, mas inoportunas. Corretas porque denunciam o genocídio.
Inoportuna em razão da pandemia, da amalgama com outras bandeiras de luta e da
possibilidade de uso para acúmulo político, especialmente político/eleitoral.
E,
acima de tudo, organizações religiosas negras, para garantir a livre
manifestação de nossa espiritualidade e a ligação com nossas ancestralidades. Hoje violentamente atacadas porque são
responsáveis pela transmissão de “nossos saberes ancestrais, especialmente
os de natureza religiosas”, mas também medicinais, sociais e culturais que “foram
e são valorosos e parte fundamental do patrimônio cultural e político do nosso
povo”.
Portanto,
para concluir, para que façamos que nossas vidas importem devemos lutar por uma
sociedade justa e solidária. Principalmente neste momento de crise decorrente principalmente
da incapacidade das elites culturais de conviverem com a diversidade.
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