sexta-feira, 24 de julho de 2020

A Luta Contra o Racismo: aliados e inimigos



           
            É praticamente impossível lutar contra uma prática criminosa que a maioria sabe que existe, mas ninguém é concretamente responsabilizado por seus resultados. Encontra-se os responsáveis nas institucionais, em seguida evolui-se para as estruturas.  E assim, o racismo institucional e o racismo estrutural sucedem-se sem que o genocídio do povo negro se interrompa.
Um dos principais dilema dos movimentos sociais encontra-se em construir aliados e identificar adversários. O movimento social negro não poderia ficar indiferente a este debate. No que chamamos início da “Terceira fase do Movimento Negro” quando fomos para as “Escadarias” os aliados estavam presentes, as fotos que circulam nas redes sociais testemunham. Hoje, podemos encontrá-los no campo reformista da elite cultural.
As principais lideranças daquele movimento faziam parte de organizações que lutavam contra a ditadura civil/militar que aterrorizava o país naquela época. Na clandestinidade, fica hoje difícil e desnecessário precisar estes atores. Mas sabe-se que as correntes “trotskistas” estavam na liderança. Os stalinistas incorporam-se algum tempo depois, inclusive com deslocação de alguns quadros para regiões estrategicamente mais importantes. Assim, é fácil concluir que os rumos do movimento negro tiveram a influência decisiva destes grupos.
Neste quadro, ver algumas organizações do segmento social, por exemplo, o movimento negro, como parte da elite cultural reformista é uma leitura possível, não é correta nem incorreta que se opõe à elite cultural conservadora. Trata-se de um argumento dicotômico, não preferivelmente o meu. Mas o campo reformista da elite cultual, que chamo de “parceiros táticos” e o campo conservador da elite cultual, que chamo de “aliados ocasionais” devem merecer idêntica atenção. Entre estes dois campos, diversos segmentos insurgentes buscam alcançar seus objetivos.
Os primeiros são parceiros táticos, porque atendem nossas necessidades mais imediatas. Assim, logo que, juntos chegamos ao poder, somos indicados para importantes cargos, mas com verbas limitada e com pouca visibilidade. Assim, negam-nos um importante valor social, qual seja: “as bases sociais da autoestima”.
O que ainda é pior, não implantam as políticas estratégicas que podem combater o racismo em sua base. Neste caso, o exemplo notório é a implantação da Lei 10.639/2003 em algumas unidades da federação conquistadas pelo voto pelas elites culturais reformistas com apoio dos militantes dos movimentos sociais, principalmente o movimento negro. Esta lei constrói as bases de uma disputa entre as duas culturais que disputam a hegemonia em nossa sociedade. Por isso, é uma “lei para inglês ver”.
Nossos aliados ocasionais, a elite cultural conservadora, não merece aqui nenhum comentário. Apenas duas constatações ou somos objetos folclóricos de exibição ou tamboretes descartáveis. No entanto, disputam a hegemonia política com a elite cultural reformista. Por isso, não podemos nos furtar de tê-los como aliados de forma ocasionais na luta contra o racismo,
Portanto, as organizações insurgentes, sobretudo as do movimento negro, não podem estar automaticamente alinhadas com a este campo reformista. Temos que tê-los como um campo tático e manter com as organizações deles um relacionamento pragmático.
  

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Da formalidade econômica à criminalidade acadêmica.



              Veremos como as sofisticadas estruturas de discriminação montadas pelas elites atingem mestres, doutores ricos ou pobres, desde que sejam “negões”. Veremos também que estes podem até subir na formalidade econômica, mas terão que fraudar a formalidade acadêmica.
O negão caiu em! Mas aqui pra nós o “Lattes" e  "Qualis", são instrumentos de controle acadêmico que devem ser visto pelos pesquisadores negros do "ponto de vista racial". Isto porque, independentemente da forma de avaliação de nossa produção cientifica está na rabeira do “mundo civilizado”.
O caso do “negao quase ministro” deve ser analisado dentro de uma análise estrutural e não de uma análise conjuntural como o caso de Teich, Damares e Salles, dentre muitos casos de falsidade ideológica. Estes tinham vários requisitos para lograr uma pós-graduação. Ao nosso negão faltava o básico.

Este é um bom momento para discutir estes instrumentos de estruturação  da produção de conhecimento. É um bom momento porque os olhos estão voltados para um Afro-brasileiro que ousou usar alguns destes instrumentos de forma fraudulenta para seu benefício privado. No entanto, ele não floreou seu “lattes” para virar ministro, mas para se qualificar academicamente para seus negócios. Sua identidade ideológica com o grupo de poder é que o levou ao ministério, acredito, antes que desse tempo de uma “higienização” de curriculum na Plataforma Lattes.

O “lattes” é uma plataforma que guarda todos os curriculum dos pesquisadores.  O “qualis” é o sistema federal para a classificação livros, revistas etc. utilizados para a divulgação dos trabalhos acadêmicos. O  “Quallis” e o “Lattes”  são determinantes para a autorização e para funcionamento de cursos de pos-graduação. 

Quantas vezes ouvimos boatos de lattes reeditados para propósitos no mínimo discutíveis. Sendo a plataforma de fácil manuseio nas suas funções básicas, qualquer pesquisador pode incluir ou excluir alguém ou algo se assim o interessa. O que não deu tempo a nosso “incauto negão”.

E até mesmo, quantas vezes vimos extenso lattes serem desprezados por medíocres memoriais em uma disputa de vaga acadêmica. Lattes, provas e aulas estarão sempre submetidos aos critérios subjetivos dos intelectuais das elites culturais e de seus satélites.

Quantos de nós pesquisadores negros já vimos “lattes” de outros pesquisadores turbinados. Alguns são feitos com técnica tão apurado que até uma transposição de fronteira pode ser registrada e fazer a diferença em algumas competições acadêmicas. Assim, navega-se por dezenas de paginas de repetição.

Portanto não é com base nas flores colocadas nesta plataforma que vamos analisar o caso de “nosso negão” quase ministro. Assim, vamos tirar nosso negão da criminalidade acadêmica e colocá-lo na formalidade econômica, bem ao lado da maioria de seus irmãos pretos.

A questão é mais bem compreendida quando olhamos o principal instrumento de racismo epistemológico na produção de conhecimento entre nós. Com efeito, o “qualis” presta um papel fundamental no controle da produção de conhecimento.

Alguns “intelectuais” publicam em revistas de áreas de conhecimento diferente, com títulos diferentes – as vezes até a introdução difere. Este “abrakadabra” torna-os imbatíveis nas disputas pelos editais, ficando seus lattes e suas publicações altamente “qualificadas”.

A produção de qualidade encontra-se no qualis, “caixa branca” de difícil acesso para os mortais. Lá descobrimos um interessante critério de classificação, qual seja a produção endogâmica e a produção exogâmica. Este é um primor de discriminação, pois a qualidade não conta e sim o lugar geográfico.

A endogenia e a exogenia devem ser vistas como uma espécie de eugenia epistemológica, pois contribuem fortemente para criar e perpetuar a ciência eurocêntrica que nos imobiliza. Estas duas categorias de exclusão são abusiva e impunemente usadas para perpetuar as desigualdades raciais nas pesquisas entre nós. Este talvez seja o principal instrumento responsável pela imensa assimetria entre o “sul maravilha” e as demais regiões no que diz respeito a número de cursos de pós-graduação e a quantidade de bolsas distribuídas.

Entretanto, nem tudo está perdido. O último relatório da CAPES propõe, pura e simplesmente, a extinção do “qualis”. É evidente que os intelectuais das elites culturais resistirão bravamente, salvo se for substituído por algum controle racista mais singelo.

Dentro desta estrutura, estreita-se as oportunidades de formação acadêmica de nosso “negão”, por isso este teve que partir para a informalidade ou marginalidade acadêmicas, como vem os intelectuais das elites culturais. O negao “vende caixa” pra ganhar dinheiro, por isso não tem tempo para construir um grande lattes e uma produção que possa ir para o qualis. Assim a alternativa foi ganhar dinheiro na formalidade econômica e ficar na criminosa informalidade acadêmica.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Discriminação, Produtividade e Corrupção



            Mercado, discriminação e corrupção estão intimamente ligados ao nosso atraso político, econômico e social. No desenvolvimento lento do nosso processo civilizatório estas três instituições são decisivas para a sua compreensão. Na estrutura de nosso mercado, a discriminação tem papel preponderante, como veremos.

A discriminação no mercado de trabalho está na razão indireta da produtividade e na razão direta da corrupção. Ou seja, quanto mais discriminação menor será a produtividade e maior será a corrupção. Os agentes do capital sabem que não perdem quando fazem escolhas levando em consideração suas preferências pessoais. Por isso, escolhem fatores que muitas vezes não estão de acordo com o retorno do capital envolvido.

A produtividade é ainda mais prejudicada nas sociedades onde o segmento discriminado é numericamente majoritário. Este fenômeno pode ser bem notado nas sociedades colonizadas. Nestas sociedades, o desenvolvimento sustentável é impossível, na medida que os discriminados, via de regra são portadores de outros processos civilizatórios, que ameaça o processo civilizatório hegemônicos.

O empresário discriminador terá dificuldade de encontrar os recursos necessários ao seu empreendimento. Os recursos produtivos não são escolhidos em razão do retorno do capital, por isso, a corrupção é o processo de mais valia do empresário discriminador. O empresário discriminador não espera uma perda nos lucros quando discrimina, pois, ele tem certeza da proteção do estado ou do recurso à corrupção.

A discriminação é eficiente porque o empresário discriminador pode fazê-lo em função da característica de cada indivíduo. Esta possibilidade lhe dá uma grande margem de manobra para disfarçar todos os seus preconceitos. Gordo, preto, mulher, jovem etc.  tudo pode ser objeto de sua discriminação. O que menos importa é aquilo que o trabalho produtivo pode dar de tornar para o seu capital.

A baixa produtividade da economia brasileira decorre da discriminação contra o principal fator de produção a mão de obra negra. Esta discriminação impede qualquer possibilidade de desenvolvimento sustentável. Na medida que impede a livre circulação da mão de obra, a nosso ver, principal fator de produção.

A produtividade decorre da inovação. Mas esta é impossível sem que haja liberdade dos agentes. Estou me referindo ao fator trabalho. A economia da “sociedade passiva” é mais criativa que a da “sociedade ativa”, mas ela não dispõe da confiança dos agentes do capital.

Nos setores em que se impõe uma concorrência o sistema se organiza em estruturas econômicas com regulamentação praticamente autônoma que garante sua reprodução. São os casos dos monopólios e dos oligopólios, com efeito, nestas estruturas os carteis se formam para garantir a distribuição dos ganhos. Ambos só são possíveis com a anuência das instituições públicas.

As empresas monopolistas estatais são importantes instrumento de reprodução do capital na ausência de concorrência.  Somos obrigados a consumir produtos de baixa qualidade e a preços elevados. O caso do setor de energia é emblemático. É o mesmo no caso dos oligopólios são setores extremamente regulados com o objetivo de impedir a entrada de concorrente. Por exemplo, o setor bancário, mesmo não cumprindo suas clássicas funções, que é financiar a produção, auferem lucros astronômicos.

A produtividade econômica na “sociedade passiva” é superior aquela da “sociedade ativa”. A razão desta superioridade está na livre circulação dos agentes. Entretanto, o capital financeiro e o capital imobiliário chegam escassamente escassos em decorrência da desconfiança dos detentores do capital financeiro.

Portanto, enquanto não resolver estas questões não teremos como resolver nossa relação de desenvolvimento sustentável. Por isso, o roubo de dinheiro público e a corrupção são as únicas formas que a classe empresarial tem de “se virar” em razão do racismo inerente à sua cultura. O ódio ao “outro”, restringe a liberdade e impede o avanço do processo civilizatório.


Devemos Voltar às Escadarias





Ontem, dia 7 de julho, o Movimento Negro Unificado comemorou 42 anos de sua primeira aparição pública. Na escadaria do Teatro Municipal jovens negros protestaram contra o racismo e chamaram a unificação da luta contra a discriminação racial.

Hoje quarenta e dois anos depois, apesar de todos as nossas notórias vitorias, o racismo vem fazendo milhares de vítimas diariamente, muitas delas fatais. A “democracia racial” que o MNU ajudou a sepultar não foi substituída por uma sociedade justa e solidaria.

Naquele momento, a sangrenta ditadura civil/militar não foi capaz impedir que destemidos jovens fossem protagonistas da história. Hoje muitas organizações lutam contra este crime contra a humanidade que se metamorfoseia. É preciso reconhecer e incentivar as coalizões e as convergências que se multiplicam neste enfrentamento sem fim. Destas, devemos incentivar, participar e, até criticá-las, mas jamais  pensar em destruí-las.

Por isso, é preciso “retornar às escadarias”. Este retorno significa voltar para às ruas, mas resgatando um discurso capaz de agregar todas as formas de discriminação. Estando nas favelas, nas invasões, nas palafitas, onde estão os negros. Nas escolas de samba, nos grupos Reeper, onde se produz o lazer e cultura. Nos espaços das religiões de matrizes africana, buscando a construção de outro processo civilizatório. Nestes locais o MNU será capaz de construir um projeto que não seja caudatário dos discursos das elites culturais reformistas.

Assim, nossa luta deve ir em direção de uma sociedade justa e solidária em que as diferenças entre as culturas não sejam hierarquizadas para controle racial.