terça-feira, 30 de junho de 2020

Esquerda e Direita um Debate Sem Fim no Movimento Social





Um dos principais dilema dos movimentos sociais encontra-se em construir aliados e identificar inimigos. O movimento social negro não poderia ficar indiferente a este debate. Os inimigos já foram identificados e os aliados se encontram naquele campo que chamam de esquerda que abriga parcela significativa do que chamo de elite cultural. Podemos ver o Movimento Negro Unificado neste campo desta categoria histórica criada na revolução francesa.
Ver o MNU como uma organização de “esquerda” é uma leitura possível, não é correta nem incorreta. Não consigo ler o mundo em dicotomias. Mas aquilo que muitos chamam de “esquerda” eu prefiro chamar de “amigos desleais” e aquilo que chamam de “direita” prefiro chamar de “inimigos ideias”.
Os primeiros nos traem logo assim que atingem seus objetivos, isto é, quando assumem o poder. Somos indicados para os cargos sem expressão política ou estratégica – Ministro sem pasta; pois em cargos de destaque teríamos a imagem divulga o que ajudaria na auto-estima do Povo Negro. Ou somos colocados em cargos importantes, mas sem verbas, como a SEPPIR, Secretarias de Cultura e fundações.
O que ainda é pior, não implantam as políticas estratégicas que podem combater o racismo em sua base. Neste caso, o exemplo notório é a implantação da Lei 10.639/2003 aqui na Bahia. Outro exemplo, a Secretaria de Educação da prefeitura de um desses partidos da elite cultural reformista nada fez para implementar esta lei, mesmo sendo o órgão comandado pela “negona da cidade”.
Outro caso, o governo atual também de partido da elite cultural reformista desconstrói instituições que são ocupadas na esmagadora maioria pelo Povo Negro. Veja o caso dos contingenciamentos das verbas das instituições de ensino superior e o fechamento de importantes unidades de ensino básico.
Completando, neste último exemplo:  importantes quadros do movimento negro, lideranças com papel histórico, são colocados em quadro de terceiro escalão e, pasmem! em terceirizadas. Ou são impedidos de concorrer, como aconteceu em uma das últimas eleições para prefeito nesta “capital mais negra do Brasil”.
Os nossos inimigos ideais, isto que chamam de direita não merece aqui nenhum comentário.
Por isso, vejo o Movimento Negro Unificado como uma “organização insurgente”, focada na luta contra o racismo, o que não é o caso de nenhuma destas organizações das elites culturais conservadora.

sábado, 20 de junho de 2020

Vidas Negras importam: para quem?




Vou colocar a seguinte questão: vidas negras importam para quem? Adianto quatro hipóteses, embora acredite que outras existam, a depender do perfil ideológico de quem responde: para o mercado, para o governo, para a família e para a comunidade. Vou apresentar alguns argumentos, mostrando a importância que estes agentes atribuem às vidas negras, se estas importam ou não, veremos.  Em seguida, faremos algumas considerações finais.
Vamos lá.


Para o mercado


Para o mercado sabemos que “Vidas Negras Não Importam”, pois o racismo é notório em todas as suas instituições. Racismo na Cultura, Racismo na Economia, Racismo na Política, Racismo na Segurança, entre outras. “Esta estrutura é a arena” onde vivemos, é nela que temos que atuar e lutar para transformá-la. Sem a livre circulação do negro enquanto agente econômico neste mercado não haverá crescimento e muito menos desenvolvimento sustentável. Nós, Negros compomos a maioria de empresários neste país, estamos na “nação passiva”, mas não temos crédito, pois os banqueiros são brancos e, por isso, não confiam nos empresários negros, logo não emprestam seus capitais. Nós vimos no discurso do atual Ministro da Fazenda na reunião ministerial: “vamos ganhar dinheiro emprestando aos grandes (brancos) e perder dinheiro emprestando aos pequenos” (negros). Não podemos nunca esquecer que nosso ministro da é banqueiro.


Para o governo

            Para o governo é evidente que “Vidas Negras Não Importam”, pois a esta instituição caberia tomar as medidas necessárias para garantir o “direito de ir e vir” dos negros, uma vez que a restrição à liberdade está na essência do racismo. Por exemplo, no caso da Cultura, a Lei 10.639/2003 não foi implantada, nem mesmo em estados e municípios governados pelas elites culturais reformistas, que é o caso da Bahia e da Prefeitura de Salvador, onde vivemos; no caso da Economia, nenhuma medida para garantir a igualdade de oportunidades na busca de trabalho; no caso da política, todos os partidos burlam as leis de cotas para mulheres, sem qualquer ação do governo; no caso da segurança: são quase mil mortes de Afrobrasileiros por dia. A maioria destes crimes não são apurados. Quem mata é a sociedade, hegemonizada por um discurso racista de ódio ao “outro”. Na certeza da impunibilidade, na medida que atende aos interesses ideológicos de seus líderes, esta continua executando seus cálculos racionais de genocídio. É isto que entendo por racismo.
           

Família e a Comunidade

            Estas duas instituições devem ser aproximadas. Pois para elas as “Vidas Negras Importam”. Mas o que tem feito as famílias, senão chorar seus mortos. Elas estão sós, chorando e clamando por Justiça. E o que tem feito a Comunidade, senão contar nossos mortos. Estamos sós! “Por nossa própria conta”. Por isso, é fundamental efetivar um elo constante entre as famílias e as comunidades.
Mas são as duas instituições nas quais devemos empregar nossos esforços para mudar esta realidade. Precisamos ter fortes organizações para construírem estruturas de ação e reação. Organizações de advogados, para agir em cada assassinato, assessorando às famílias e exigindo investigação. Organizações sociais para dar apoio moral, psicológico e financeiro às famílias. Organizações de policiais negros, para discutir internamente nos aparatos de repressão que “Vidas Negras Importam”. Organizações de intelectuais negros, para fazer uma leitura da sociedade a partir de uma análise de nossa realidade social, sem nos referenciarmos pelos modismos importados ou pelos intelectuais decadentes da elite cultural reformista, organizações estas que sejam capazes de construir “um novo regime de verdades”.  Organizações políticas, para disputar o poder “do ponto de vista racial” do povo Negro. Propor atividades políticas como manifestações dentro de nosso ponto de vista. Vejam as últimas, foram corretas, mas inoportunas. Corretas porque denunciam o genocídio. Inoportuna em razão da pandemia, da amalgama com outras bandeiras de luta e da possibilidade de uso para acúmulo político, especialmente político/eleitoral.
E, acima de tudo, organizações religiosas negras, para garantir a livre manifestação de nossa espiritualidade e a ligação com nossas ancestralidades. Hoje violentamente atacadas porque são responsáveis pela transmissão de “nossos saberes ancestrais, especialmente os de natureza religiosas”, mas também medicinais, sociais e culturais que “foram e são valorosos e parte fundamental do patrimônio cultural e político do nosso povo”.
Portanto, para concluir, para que façamos que nossas vidas importem devemos lutar por uma sociedade justa e solidária. Principalmente neste momento de crise decorrente principalmente da incapacidade das elites culturais de conviverem com a diversidade.

quinta-feira, 18 de junho de 2020

DE VOLTA ÀS ESCADARIAS: quarenta anos de lutas, vida longa ao MNU



De volta às Escadarias: quarenta anos de lutas, vida longa ao MNU





Há quarenta e dois anos o Movimento Negro Unificado nascia em uma manifestação em São Paulo. Jovens revolucionários enfrentavam uma violenta ditadura para protestar contra o racismo que atingia os afro-brasileiros desde que os primeiros deles de nós colocamos os pés neste país, sequestrado pelo usurpador português.

Desde este manifesto insurgente, passaram-se quarenta e dois anos de lutas. Temos muitas vitórias a comemorar. Elas estão espalhadas por vários setores. Podemos exemplificar com a consagração do Vinte de Novembro e com as cotas na universidade. Hoje estas duas grandes conquistas estão ameaçadas.

Este avanço, fruto do lento amadurecimento das instituições sociais, políticas e econômicas, iam ao encontro dos interesses dos Afro-brasileiros. Eles caminhavam na direção de uma sociedade justa e solidaria. Na conjuntura atual eles retrocedem aceleradamente. É preciso, portanto, voltar as escadaria.

Novamente o Movimento Negro Unificado deve se manifestar. Principalmente, porque não estamos sós. São muitas organizações espalhadas por todo país, algumas isoladas outras coligadas, mas todas convergindo para o caminho que o MNU heroicamente trilhou há quarenta anos.

Devemos apresentar nossas propostas de forma que não deixem dúvidas de nossos propósitos e para impedir que a juventude que tanto contribui com construção do MNU não seja atraída por falsas palavras de ordem e estranhas bandeiras de luta. A luta contra o racismo é nossa bandeira.

Neste momento de crise, as elites culturais responsáveis pelo histórico atraso do país e, acima de tudo, pela calamitosa crise sanitária que nos atinge, se articulam em manifestos pela democracia deles. Esquecem que o “objetivo básico de um regime democrático é coibir o uso de poderes arbitrários” que eles inseriram em suas instituições - Assim, “estaojuntos” para uma democracia de fancaria, onde negros e negras serão avaliados em arrobas.

O racismo é uma manifestação de ódio ao “outro”, que funciona pela restrição da liberdade daqueles que são diferentes dos seguimentos das elites culturais dominante. Assim, onde o racista estiver presente, ele influenciará suas instituições para garantir seus privilégios e os de seus semelhantes. Assim, como “o preço da liberdade é a eterna vigilância”, a luta contra o racismo está na base desta “eterna vigilância”.

segunda-feira, 8 de junho de 2020

Justica e Solidariedade: um timido caminha dentro do silêncio


Discutir Justiça e Solidariedade diante do abando em que se encontram a maioria da população afrodescendente em nosso país requer um longo exercício de paciência. Com efeito, estas maiorias não reclamam e a minoria não aceita, pois naturalizam seus seculares privilégios.

Milhares de negras e negros são mortos todos os meses no Brasil. Sejam por armas do crime organizado, sejam por aqueles que, nós cidadãos financiamos; ou sejam em ações do cotidiano de suas vidas precárias. A maioria esmagadora destes crimes ficam impunes. Muitos são explicados apenas por uma frase “é coisa do tráfico”. Não existe a mínima menção à necessidade de justiça. Esta quando se manifesta é lenta e parcial. Vimos que só movimenta com rapidez com objetivos políticos.

A justiça americana é rápida, porém parcial, vejam os milhões de afro-americanos encarcerados. Na América, o afro-americano se revolta clamando por justiça, aqui assistimos passivamente o genocídio do afro-brasileiro. Até quando. Lá o Estado rapidamente os encarcera; aqui o Estado, rapidamente os eliminam. Em ambas as realidades, seus olhos estão bem abertos para os Afrodescendentes.

É preciso uma intensa luta por Justiça em nosso país. Esta luta será capaz de mobilizar outros segmentos também discriminados na lógica excludente deste sistema. Assim, poderíamos agregar: mulheres, LGBT+, judeus, índios etc. Somente com uma grande mobilização daqueles que são os alvos preferidos desta “justiça”, teremos capacidade de modificar esta realidade.

Manifestantes em Curitiba prestam solidariedade aos americanos que protestam contra o assassinato de um Afro-americano pela. Muito interessante! Mas porque que eles não se manifestaram contra o assassinato de um jovem negro no Rio? Eles lutam por solidariedade. Importantíssimo prestam uma solidariedade internacional, mas se negam a lutar por justiça no nível nacional.

Cada família atingida pela “bala justiceira” se sente só. Os atos de solidariedades e as atitudes de protestos são passageiras. Aqui, de imediato fecha-se uma rua e queima-se um ônibus, depois, são mais um número nas estatísticas do genocídio. É necessário dar apoio a estas famílias para acompanharem os processos.

Portanto, a Justiça e Solidariedade devem estar no centro de todas as ações que intentam bloquear a continuidade deste genocídio. Faz-se urgente gritar por elas.